Às vezes eu sinto falta de mim. De um eu que eu era e hoje me parece uma melhor amiga sumida. De uma certa ingenuidade genuína que me fazia corar em lugares lotados, emudecer em público, levar uma toalha na bolsa para comprar empadas e comer fazendo piquenique na grama, do outro lado da rua da lanchonete; de querer alguma coisa, conseguir comprar e voltar felicíssima da vida para casa; de gastar horas com um dicionário do lado traduzindo a letra de alguma música querida; de ficar nervosa antes de festas; de chorar quando não podia sair; de sonhar sonhos bem impossíveis como uma exposição de desenhos na Itália; de sentar no chão do quarto com grafite, chumaços de algodão, papel canson, prancheta e idéias; de riscar; de arriscar; de pensar em imagens (Hoje em dia eu penso em palavras). Não espero, não acredito e conformo-me com o aqui. Sem infelicidades ou frustrações. Contente. Inerte, penso. Não há nada que eu queira poupar dinheiro pra comprar; nem nada que eu chore (nem lembro a última vez que chorei ou se eu choro ainda, além de assistindo propagandas de margarina, filmes e peças); nada me sacode. Sinto falta de mim, antes (do quê?). Da ansiedade; de passar a madrugada sentada no canto do quarto desenhando a imagem que eu via; de andar até a banca de bombom a 10 minutos de casa só para comprar chocolate branco; de ir até o parquinho de areia fazer castelos, estrelinhas e potinhos; de dormir ansiosa para acordar e continuar checando a lista de bandas não ouvidas ; de dormir ansiosa para acordar e já ter baixado todo o álbum da que fosse interessante; de ficar nervosa quando o telefone toca (hoje na minha casa o aparelho de telefone quebrou e pouco importa comprar outro); de ficar nervosa quando a campainha toca (hoje na minha casa quando a campainha toca o castigo é ir até lá); já não mudo os trajetos porque me canso deles, mas porque eles me cansam, dependendo do dia. Eu me lembro de mim. Dá saudade. Sem dor. Só falta.